Quase 70 anos de carreira em um consultório não foram suficientes para o dentista baiano Igínio Rossi deixar de trabalhar após a aposentadoria. Aos 92 anos, ele atua como dentista em Salvador e surpreende pela disposição na hora de exercer a profissão que começou a ser trilhada quando ele entrou na faculdade de odontologia, na década de 40, com apenas 17 anos.
O dentista não trabalha como antes, todos os dias da semana. Ele faz atendimento voluntário nas segundas e quartas-feiras. O trabalho é desenvolvido em um consultório, através de serviços gratuitos disponibilizados por uma igreja católica no bairro da Graça, em Salvador.
“Nem de longe penso o dia que vou parar. Não tire meu prazer. Quando tem um feriado nos dias que vou [trabalhar] as atendentes dizem: ‘O senhor já vai reclamar’”, brincou.
A vontade de continuar na área, segundo ele, foi uma forma de se manter atualizado e em movimento.
“Quando me aposentei já estava cansado, muitos anos de trabalho. Comecei a perceber que o que eu já tinha era suficiente, já dava para comprar a farinha. Eu atendi no meu consultório particular até quatro anos atrás, com 88 anos. Mas depois que larguei o consultório, o dia passou a ter 26 horas. Então resolvi voltar”, contou.
Dedicação, trabalho e persistência sempre fizeram parte da vida de Igínio, um dos 12 filhos de um italiano dono de uma fábrica de macarrão na capital baiana.
Antes mesmo de ter um consultório, Igínio já era funcionário público. Aos 20 anos, após se formar, ele passou no concurso público do Instituto de Aposentadoria de pensões dos Comerciários (IPCA), onde atuou como dentista por 36 anos.
“Naquela época eram três anos de faculdade e a gente tinha mais greve do que aula. Logo me formei e em seguida, concorri a uma vaga [do concurso] junto com cinco professores meus da faculdade”, relembrou.
Aos 21 anos, Igínio adquiriu o primeiro consultório em Salvador. Diante de tantas conquistas na carreira da odontologia, ele revelou que a profissão nunca fez parte dos sonhos dele e que, na verdade, ele nem sabe dizer o que fez escolher a odontologia.
“Tem determinadas coisas na vida que a gente não sabe porque escolhe. Só sei que fiz, depois gostei e pensei: ‘Vou viver disso’”, contou.
Além da profissão que ainda exerce, Igínio se divide entre o trabalho e ajuda no cuidado à esposa, de 88 anos, que sofre de Alzheimer. Juntos o casal tem duas filhas.
Quando perguntado se as filhas eram do mesmo casamento, ele brincou: ‘Monogâmico’. Em seguida, carregou um tom mais sério na voz para contar sobre o amor e respeito que tem pela esposa.
“Meu casamento é estável, sem brigas, nunca briguei com minha esposa”, revelou.
‘Servir é um negócio bom’
Sempre bem-humorado, sorridente e com uma palavra de sabedoria adquirida ao longo desses 92 anos, Igínio revelou ter uma saúde de “ferro”. Segundo ele, a longevidade é resultado da forma leve que trilha os caminhos da vida, além da prática de atividades relacionadas ao trabalho.
Após nove décadas, ele comemora as conquistas da profissão e a felicidade em ter uma filha que também escolheu ser dentista. Os ensinamentos que passou para a filha, ele continua espalhando para os estudantes que também atuam como voluntários no consultório da igreja, em Salvador.
“Tem muitos jovens lá onde eu atendo e a gente percebe que às vezes eles têm uma dificuldade. A dificuldade vem, mas tem que ser humilde. A humildade de aprender é primordial em qualquer profissão. Eu gosto quando vejo um aluno se destacar, perguntando minha opinião”, conta.
Igínio diz ainda que se sente bem quando as pessoas veem ele como um exemplo por conta da profissão e que o objetivo da ajuda às pessoas é uma satisfação pessoal.
“Servir é um negócio bom. Eu não trabalho para que as pessoas divulguem o que eu faço. Minha atitude não diminui a minha conta de luz, nem meu supermercado, não tenho vantagem nenhuma. Claro que servir de exemplo é bom. Eu me sinto bem em ajudar e impulsionar os garotos mais jovens”, contou.
O idoso aproveitou para mandar recado para os mais jovens. Segundo ele, é importante que todos nós deixemos as “zonas de conforto” e que a gente olhe mais para o próximo.
“Quando eu voltei a atender [trabalho voluntário], lá não fazia extração [de dente], então eu quebrei as regras. Porque chega um cara lá que precisa do atendimento, precisa de uma extração, por exemplo, aí eu vou dizer que eu não faço extração? Às vezes o cara de um bairro longe, com dor e você diz que não faz o serviço? Aí eu quebrei essa regra”, conta o dentista.
“Se chegar precisando eu faço. O dinheiro do almoço ele [o paciente] já gastou no transporte e eu não vou deixar ele voltar para casa com dor. Talvez seja essa minha longevidade”, concluiu Igínio.