Dona Rosa, Manoel Caculé, Fé, Amor e Devoção, um Épico no Sertão da Bahia.


Foto: Caetano Augusto

Memória viva, histórias de tempos de outrora, lembranças contadas, cantadas e irrigadas ao longo dos anos e séculos, epopéia de um herói e de uma heroína, retumbante criação em terras da Serra Geral, mais precisamente no Polígono das Secas do Nordeste deste Brasil amado, pendão e esplendor, imagem desenhada pelas mãos do Criador, e pintadas pelas mãos de Debret.

Na Região Sudoeste do Estado Bahia, Bahia esta, sincrética e festeira, em uma microrregião de invernos frios e verões calorentos, de primaveras floridas e outonos devotados.

Distante de São Salvador, a história que ora será contada, tem início em meados do século XIX, período marcado pelo colapso de impérios estrangeiros, mas aqui, nas terras do sertão nacional, a história é progressista, banhada por águas doces e abençoadas, e cercada por terras produtivas e serras opulentes.

Regressar é preciso, reverenciar a ancestralidade nativa é necessário, vivas a Rosa e vivas ao Manoel.

De geração em geração, a história que fora contada, narra a saga épica do escravo e vaqueiro Manoel Caculé e da bondosa Sinhá Rosa, Dona Rosa Prates, descendente de Dona Ana Tereza e donas da Fazenda Jacaré, império que se estendia do atual município de Ibiassucê, até os limites de Brumado, à época conhecido como Bom Jesus dos Meiras.

De tão grande, a Fazenda Jacaré vivera como desconhecida aos olhos daqueles e daquelas que a possuíam em documentos, terras longínquas e de belezas até então não desbravadas, ali passava a Estrada Real, que trazia os viajantes das Minas Gerais às cidades circunvizinhas.

O escravo Caculé, cavalgando em viagem de quatro léguas por entre a mata e os campos da falada fazenda, encontrou beleza estonteante, oásis e manancial de encher os olhos.

Longe da sede da Fazenda Jacaré, Manoel fitou uma linda lagoa, um extenso rio, areias de claro branco a contrastar com a pele negra do guerreiro que trazia em seu sangue a saga e a força de filho de Mãe África.

O cenário fez com que o escravo se apaixonasse pelo lugar, Caculé montou morada naquele chão, nas margens daquela lagoa ele erguera seu rancho de taipa e telhados de palha de ouricuri, a lagoa e aquelas terras vizinhas representavam a liberdade para o Escravo Manoel Caculé,

O tempo foi passando, Manoel fora dado como morto pela família Prates, mas Caculé estava era muito bem, vivendo vida de homem livre, comerciando e prosperando longe dos olhos de seus donos.

Não demorou muito, Dona Rosa Prates e toda a família, souberam do ocorrido com o escravo, e foram em busca do vaqueiro, mas o que eles veriam, mudaria para sempre a história daquela família, passaporte para os anais de uma valsa ainda cantada.

Ao chegar, Sinhá Rosa se apaixonara por tamanha beleza e ali resolvera ficar e fazer morada.

Caculé era esperto, e com a influência de abolicionistas locais, fez proposta e comprou a sua liberdade, agora ele era dono de si, de sua vida, não mais propriedade dos Prates e compositor de seus passos.

Alguns anos se passando, a Fazenda Jacaré foi dividida entre os herdeiros, Dona Rosa passou a morar em um terreno no alto da lagoa do Caculé, ali a Sinhá erguera exuberante casa grande de fazenda, com vista para o manancial, outra pequena para Tinoco, seu sobrinho, e uma senzala para os escravos.

Na década de 1860, a bondosa Rosa, Dona e Sinhá, doa um bonito terreno ao Sagrado Coração de Jesus, ali seria erguida uma capela, sonho antigo de Dona Ana Teresa, sua mãe.

O Branco e Vermelho do Mastro passou a andar e ser festejados naquelas terras, graças e louvores ao Filho de Deus, viva o Sagrado Coração de Jesus, veneração ao Seu mais íntimo Amor. “Prometo-te, pela Minha excessiva misericórdia e pelo amor todo-poderoso do meu Coração, conceder a todos os que comungarem nas primeiras sextas-feiras de nove meses consecutivos, a graça da penitência final; não morrerão em minha inimizade, nem sem receberem os sacramentos, e Meu Divino Coração lhes será seguro refúgio nessa última hora”. Palavras ditas pelo Sagrado Coração de Jesus, em revelação a Santa Margarida Maria de Alacoque.

A primeira missa na Capela do Sagrado Coração de Jesus foi celebrada pelo Padre Joaquim Pedro Garcia Leal, vigário de Umburanas e sobrinho de Rosa.

Na seara social, a bondosa sinhá Dona Rosa fez testamento dando alforria aos seus escravos e doando pedaços de terra para que pudessem se manter após a sua morte.

A capela foi erguida, os escravos alforriados, casas e plantações começaram a nascer, e com a Estrada Real sempre movimentada, um vilarejo dava o ar da graça e da existência.

Em 23 de julho de 1880 a Região do Santíssimo Coração de Jesus de Caculé foi elevada a Distrito de Paz.

Os anos se passaram e no dia 14 de agosto de 1919 Caculé foi emancipada, com base na lei estadual nº 1.365, tendo o seu território desmembrado do de Caetite.

Revisitar o passado é manter viva a memória dos que por aqui passaram, essas terras em outros tempos acolheram as saias rodadas das sinhás, as botas dos vaqueiros, os pés calejados dos escravos, o galopear de cavalos e boiadas, o nascer da esperança e as procissões de Fé, Amor e Festa.

Hoje, as terras e o céu de Caculé continuam a abraçar às fogueiras dos Santos Juninos, as festas de São João, o novenário do Sagrado Coração de Jesus e a devoção em Nossa Senhora.

A saga do escravo Manoel Caculé e da generosa Dona Rosa Prates culminou no surgimento de uma encantadora cidade, próspera e abençoada, festeira e de religiosidade vida.

Viva Dona Rosa Prates, viva Manoel Caculé!

Viva o Sagrado Coração de Jesus!

 

Williams Matheus Fernandes Araújo.

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